O que você quer ser quando parar de crescer?
por Lucas Rodrigues Pires, para o LinkedIn
Há quem saiba desde criança o que vai ser quando crescer, o que quer fazer da vida com sorriso no rosto e ânimo de acordar cedo. Vive falando pra todo mundo que vai ser isso, aquilo e tal – e quando chega a hora, ele vai e de fato faz. Simples. É alguém fadado àquilo desde sempre.
Entretanto, o mais comum é o oposto disso. É a gente não saber o que fazer da vida e gastar a maior parte dela querendo descobrir. Isso mesmo, querendo descobrir, não tentando, pois querer não é necessariamente tentar, ir atrás, buscar realmente entender o que te satisfaz e te motiva. A maior parte de nós quer e sabe que compreender isso faria um bem danado, mas não dá o passo derradeiro. Ao contrário, conforma-se com o que lhe chega e segue a vida que muitas vezes lhe foi programada a ser vivida. É o barco levado pela correnteza. Afinal, como diz o ditado, se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho é válido.
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Tenho um amigo que tem um emprego estável, salário garantido, trabalha suas 7 a 8 horas por dia, não tem estresse com chefe nem com trânsito. Tudo o que qualquer um quer, certo? Errado, pois ao voltar para casa ao fim do dia, ele está completamente desmotivado, insatisfeito e infeliz. Sempre que nos encontramos ele fala com desdém de sua rotina, do pouco gosto que tem pelo trabalho, da desmotivação que é acordar todo dia cedo. Porém, ao final, vem a frase chavão: “Ao menos tenho estabilidade e consigo guardar algum dinheiro”.
Nada contra ter um emprego estável e poupar dinheiro para o futuro – pelo contrário! –, mas tudo contra em fazer e manter-se em algo que não te motiva, não te arregala os olhos, não faz sua alma sonhar. Se há a necessidade de trabalhar porque precisa da grana imediata, é compreensível (o que não quer dizer que não possa pensar e preparar o terreno para alternativas mais interessantes). Agora, estar num emprego como se fosse o único possível porque ele te dá estabilidade e padrão, sem satisfação, em pleno século 21 isso já beira a insanidade!
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O problema é não assumir o que se quer e, para justificar um cotidiano medíocre, traz as desculpas que serviam (e que eles nos transmitem) para nossos pais, lá nos anos 1960, 1970, 1980! E sabe o que eu descobri em conversas com esse meu amigo? Que esse padrão de pensamento acomodado vem de família!
A ideia de emprego estável (se no serviço público, melhor ainda!), rotina conservadora e poupança foram a base da classe média brasileira nos últimos 50 anos. Esses valores eram passados de geração pra geração. Meu amigo é mais uma ‘vítima’ disso, assim como eu fui e acredito que também muitos leitores. Desde criança ouvindo que o ideal é ter um emprego, é por o dinheiro na poupança, não arriscar em investimentos ou em negócios. Afinal, para a geração mais velha, tudo é um risco e devemos seguir seu ideário de não arriscar (afinal, deu certo para ela!). Aos olhos dela, o ditado seria “quem arrisca não petisca”.
O leitor já percebeu que tudo em nossas vidas sofre influência alheia. A instituição família é a mais antiga delas, mas certamente outras estão também a nos guiar e definir valores. Escola, igreja (religião), grupos sociais, colegas de trabalho, valores culturais passados por livros, filmes, novelas, a indústria cultural em si. Como escapar das armadilhas desses valores implantados em nós desde que nos conhecemos como gente é o dilema. Afinal, nem todo mundo quer seguir os passos dos pais, e muita gente carrega sonhos, desejos e ambições de uma nova época que acaba sendo incompreensível e pouco aceita pelas gerações antigas.
Quando buscava conversar com meus pais a respeito de ideias de negócios que me vinham à mente, a resposta era sempre um torcer de nariz e o conselho definitivo: “Deixa o dinheiro no banco que rende mais e é mais seguro”. Atenção: era apenas discutir a ideia, não decidir investir milhões! A mera citação da ideia já causava uma ojeriza geral. Quando pensei em investir em um imóvel, visando uma valorização mais acelerada e uma futura renda passiva, o conselho era similar: “Deixa o dinheiro rendendo no banco que esse negócio de imóvel é muito arriscado. A construtora pode quebrar e você perder tudo”. O diálogo buscado era exterminado na primeira resposta. Não havia clima para réplica.
Tenho certeza que meu amigo ouviu esses conselhos de sua família, mas o imaginário conservador em se tratando de dinheiro\emprego\carreira e, principalmente, sucesso, tomou conta de sua cabeça. Para a família dele, sucesso é chegar aos 40 com uma boa renda no banco, fruto de um trabalho burocrático, desmotivador e pouco desafiador. Não importa se você se sente bem, pois o importante é a tranquilidade financeira! Para se ter ideia, ele investiu em bitcoin quando da febre no fim do ano passado, mas não contou aos pais! Por quê? Porque sabia o conselho – e crítica – que viria!
O que quero trazer à tona é que meu amigo tem um desejo de buscar algo novo, diferente, mas é castrado pelos valores familiares, arraigados a ele com afinco a ponto de ele exteriorizar o seu sonho e em seguida já matá-lo com as desculpas para seguir como está. Já conversamos e demos início a um projeto que culminaria num torneio de futebol entre escolas (ele adora futebol e se formou em educação física). A ideia prosperou até concluirmos pela inviabilidade da coisa como negócio. Ficou para trás. Partimos para uma hamburgueria – moda em São Paulo – e outras possibilidades, mesmo empregos com trabalho que o atraíam, mas tudo não passava de ideias jogadas ao vento para sustentar um papo de algumas horas. Ao fim dela, ele volta à sua rotina de acordar cedo, ser infeliz no emprego, ser paparicado pela mãe (filho perfeito, não?) mas ter uma conta bancária crescente para quando ele chegar aos 40 poder pensar em se aposentar e fazer algo. O projeto (inconsciente) de sua família para ele é um tremendo sucesso: formar alguém bem-sucedido financeiramente, mas não percebem que ao mesmo tempo com satisfação zero pelo trabalho!
A geração passada pensa assim: sacrificar-se hoje para lá na frente colher os frutos. Com as crises econômicas cíclicas que o país vive, esse discurso ganha mais relevância com o incremento “ao menos você tem um emprego”, “dê-se por feliz por ter um emprego”. Acontece que as cabeças dos nossos pais foram formadas em outra época, quando a variedade de escolhas era muito menor. Advogado, engenheiro ou médico – eram as opções na mesa para qualquer adolescente de classe média. Hoje há uma miríade de opções num cenário completamente distinto.
Os tais frutos que nossos pais querem garantir para nós quando atingirmos 40 ou 50 anos não precisam vir só nessa idade. Eles podem e devem ser colhidos no caminho, com dedicação a coisas que nos trazem satisfação, nos geram autoestima e orgulho, motivação e perspectiva de futuro para seguir a vida com brilho nos olhos e alma sonhadora. São os sonhos que movem e motivam as pessoas. Criá-las e educá-las a abdicar deles para garantir o futuro financeiro é como castrar e domesticar um animal selvagem: ele vai ser o que você quer que ele seja, mas a um alto custo, o de destruir seus instintos e danificar sua alma, impedindo que ele se torne o belo e único animal para o qual nasceu para ser. E você, sabe o que vai fazer quando parar de crescer?