[Caio Blinder] Meu pai, minhas filhas e a pátria das chuteiras
Eu estou no ritmo, contagiado rapidamente, é claro, pouco antes de Brasil x Suíça. Não poderia ser diferente. Sou filho de David. No ritmo de copa, mas, preguiçoso para um jogo diferente, copio a jogada. Aqui vai uma coluna clássica, publicada inicialmente em 14 de junho de 2014. Quatro anos atrás, na época de VEJA.com, chutei coluna atrás de outra naquela copa 7 x1. Boa leitura.
Este negócio de pátria de chuteiras me incomoda. É só futebol, mas sou filho de David. Meu pai sabia calçar as chuteiras e amava futebol. David quase se tornou profissional (Portuguesa de Desportos), mas ainda era menor de idade e a mãe não o deixou assinar contrato. Imigrante, minha avó que veio de um buraco da Moldávia (Soroca), falava um português estropiado. Ela dizia que futebol era coisa de “bagabundo”.
O “bagabundo” do meu pai era realmente bom de bola na várzea do rio Tietê, em São Paulo. David casou cedo e o varão aqui pôde bater muita bola com ele. Pós-adolescente, eu ainda pude admirar sua categoria jogando em time de veteranos, não mais na várzea, mas na sede de campo do SPAC, o “clube inglês” (na foto abaixo). Cresci indo a estádio de futebol. Traí meu pai são-paulino, pois sou da geração Pelé. Porém, o David, meio-campista, bom armador, articulou direitinho com os quatro netos (entre eles, minhas duas filhas). Todos são tricolores.
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Eu vivo fora do Brasil há muito tempo. Esta é uma longuíssima temporada, a terceira. A última vez que que assisti a uma copa no Brasil foi em 1978. Estava no meio de uma briga com uma namorada de longa data e não prestei muita atenção nos jogos. Não me lembro de 1974, mas 1970, claro, é inesquecível. Clima de Copa para mim é um pouco frio hoje em dia. No entanto, meu pai, que faleceu em 2003, sempre fez o que pôde para diminuir a distância em época de Copa e transmitiu um sentimento de brasilidade para as netas gringas. Gringas?
Uma das duas, a mais nova, a Ana, torcedora fanática, que veste a camisa desde nanica, advogou em causa própria. Causa justa. Estou patrocinando a ida dela a Fortaleza para assistir a um jogo do Brasil, assim ela espera (e eu que investi, também), em 4 de julho. Chantagista, a Ana disse que caso não fosse ela estaria desonrando a memória do avô. E uma das histórias memoráveis do meu pai era sua ida com uma turma da Barra Funda, o bairro em que nasceu e foi criado em São Paulo, ao Rio para assistir ao Maracanaço, em 1950, quando tinha 16 anos.
O sonho do meu pai era assistir novamente a uma final de Copa no Brasil. Que vença a pátria das chuteiras.