Doña Manolita e os jogos não geopolíticos de azar – Por Caio Blinder
Durante minhas férias, alguns leitores apostaram qual seria o tema da coluna da volta, o tiro de largada em 2014? Seria mais um Obama? Seria mais um Putin? Mais um lance da Primavera Árabe? Perderam as apostas. Estes são temas que ganham qualquer loteria jornalística. Até as minhas próximas férias (que cheguem logo, que cheguem logo) terei muitas oportunidades para falar dos jogos geopolíticos de azar.
Ainda estou enferrujado. O tema da primeirona de 2014 será mesmo o meu curto período de férias.
Este escriba supostamente viajado tem uma confissão: foi turista de primeira viagem em Madrid.Verguenza! E, sem vergonha, ele fez a exploração na companhia da mulher e da mãe (esta sim, senhora viajada). Roteiro básico: El Greco, Goya, Guernica, a tumba de Franco no Valle de los Caídos e Toledo. O roteiro noturno mais original ficou por conta de um jornalista espanhol do El País, marido de uma grande amiga brasileira. Saímos em peregrinação pelas bandas da Calle de la Cava Baja menos frequentadas por turistas (tarefa quixotesca).
Para o Chema (o jornalista espanhol), eu fazia as perguntas óbvias sobre ausência de sinais óbvios de crise (aqui são minhas impressões de turista impressionista). Eu tinha ímpeto de fazer um comentário estilo Maria Antonieta, como o que foi disparado por Silvio Berlusconi para negar que as coisas estavam salgadas na Itália. Afinal, os restaurantes estavam apinhados em Roma (e agora em Madrid). Com seu passo rápido na noite fria, Chema foi ligeiro para disparar que seu povo vive na borbuja (na bolha). Não existe manãna. Se o governo não assistir quem estiver ferrado, a família dá conta do recado.
Agora eu chego na figura matriarcal de Doña Manolita. Tanta gente ao longo do tempo (desde 1904) apostou que os bilhetes vendidos na lendária casa lotérica de Madrid que leva o nome da fundadora dariam conta do recado. A família Blinder não estava hospedada no Ritz, ao lado das imensas filas para entrada no Museu do Prado. A gente estava num hotel classe média no centrão de Madrid. Eu dobrava à esquerda quando saía do hotel e já topava com as imensas filas para a entrada na Doña Manolita, patrimônio cultural do povo espanhol.
As filas nem eram para a sorte grande, El Gordo (os prêmios de Natal). E desta vez, cinco bilhetes premiados foram vendidos na loja. Há estimativas de que 70% dos espanhois investem uns euros anualmente no Gordo. Nós chegamos em Madrid um dia depois do sorteio. As filas já eram para a loteria de El Niño, 6 de janeiro, dia dos Reis Magos, quando na Espanha são entregues os presentes de Natal. Nós tivemos, isto sim, azar grande em Madrid. Na nossa semana, choveu quase todo dia, mas o pessoal não arredava pé nas filas para entrar na casa lotérica da calle del Carmen (gente mais prática prefere correr para fazer apostas no site da loja, mas qual é a graça não ficar à espera debaixo da chuva?)
Minha mulher me cobrava para eu ficar na fila da Doña Manolita, fazer a aposta, ganhar e finalmente deixar de escrever picuinha para sobreviver. Mas, a fila era medonha. O consolo para a gente culta da coluna é que era bem maior no Prado. Eu me sentia um desgraçado. Puxa vida. Lá estavam na fila, sob chuva, mães empurrando carrinhos de bebê. E eu, indisposto ao sacrifício. Preguiçoso e mentiroso. Para escapar da missão, enrolei minha mulher dizendo que estrangeiros não podiam apostar na loteria espanhola. Doña Manolita ficou sem meus euros e para vocês, a partir de sexta-feira, vão sobrar meus jogos geopolíticos de azar. Putin, Obama,Primavera Árabe…
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Caio Blinder é palestrante exclusivo de Sandra Paschoal Soluções em Palestras. Conheça o seu perfil e solicite um orçamento clicando aqui. Este artigo foi originalmente publicado na coluna de Blinder na Veja.